sábado, 14 de maio de 2011

  As janelas batiam e as chamas das velas dançavam entre a ordem e a turbulência. Assim eu também danço, entre a luz e a escuridão.
  Ana é tão rudimentar que não se sente, ela vive. Gabriela é hexagonal, por isso pensa demais e não tem  tempo pra viver. Ana adora o sol e teme a noite. Gabriela é completamente alérgica a raios solares e não  há nada que a deixe mais sóbria que as trevas. Ana usa saia rodada e exala o perfume dos lírios. Gabriela veste seu manto negro e absorve a complacência das violetas. Ana só sonha acordada. Gabriela quando dorme. Ana é espontânea e contagiante. Gabriela é fria e calculista. Ana tagarela. Gabriela quase não mexe os lábios.
Ana sorri até para estranhos. Gabriela nem para o espelho. Ana rodopia como uma boneca nas aulas de Ballet, e está sempre  a espera de seu soldadinho de chumbo. Gabriela mantém o olhar firme nos ensaios de tango, e despreza o amor carnal de todos os seus companheiros. Ana, dona de uma graciosidade formidável, encanta a plateia quando seus dedos finos e macios encontram as teclas do piano, produzindo uma bela e variada sonoridade. Gabriela, sempre rude, torna a confundir a melodia produzida por sua bateria com as batidas impetuosas de seu coração. Ana espoleta. Gabriela sedentária.
   E mesmo no meio de tantos conflitos e diversidades, elas convivem bem, pois elas coexistem dentro de um mesmo lugar, transversalmente dentro do tempo. E o único problema é que Ana possui nome composto; seu segundo nome é Gabriela. Mas Gabriela também possui dois nomes; seu primeiro nome é Ana. Contudo esse não é o problema que eu vos falava, o problema em si é que de dois caráteres se faz um, ocupando assim um só corpo. O meu corpo.

Danço com o vento, flutuo como uma folha seca que caia da árvore. Sou estrondoroso e simpático, como o badalar dos sinos. Sou luz e escuridão, sou o quarto escuro e a chama da  vela que reluz. Sou rudimentar e intraduzível. Sou um simples mistério ou um mistério simples, como você desejar.    
                                                                            Beatriz Terêncio.

  Vejo a lâmpada que incandesce. Meu interior é desajeitado. Mas eu me incandesço.
                                                                            Clarice Lispector.

domingo, 27 de março de 2011

  Amadureceu rápido demais. De certo modo nunca foi criança, embora tenha crescido em um ambiente propicio a doçura e a meiguice, sempre viu tudo de um jeito diferente. Seu olhar era aguçado, intrigante, moralista, carinhoso e perturbador. Sem saber o porque, ela via em todas as pessoas seus medos e mistérios mais ocultos. Suas vergonhas e mentiras mais obscenas. Mas mesmo sem entender se conformava, porque também via os escombros onde cada personalidade havia sido construída.
   Com o tempo suas percepções deixaram de distraí-la e passaram a confundi-la. Abrigando o medo em sua alma e fazendo com que ela se sentisse fraca. E jamais ela, principalmente, e, justamente, ela, iria aceitar a fraqueza. Entretanto percebeu que era a mais covarde entre todos que possuem vida. Então reagiu da única maneira que lhe parecia cabível e real. Tornou-se puta. Pois sempre acreditou que elas eram os seres mais fortes do universo

   Em poucos dias se esqueceu de quem realmente era e passou a ser a mais vulgar entre todas elas.
   Passaram-se anos sem que ela soubesse o porque de estar naquele lugar, ou como aprendeu a sorrir tão bem e mostrar-se tão pura, em meio toda aquela imundice.
   E mais dias se passavam, mais sujeira ela absorvia, mais bocas, mais sexos devassados, mais aguardente barata, mais miragens etílicas, mais dinheiro de medíocres, mais risos idiotas e pervertidos, mais putas.
   E novamente sem entender, absorveu com tamanha facilidade e rapidez sua lucidez, lembrando-se de quem é, de quem foi, e de quem fingia ser. A partir daquele dia quando foi tomada por um súbito colapso de razão, começou a a sorrir mecânicamente, ao mesmo tempo em que manchava sua alma com imensas e negras lágrimas de rímel.
 

terça-feira, 22 de março de 2011

  Foi bom, foi ótimo. Me sentir tão alíviada como jamais me senti desde que sei que sou alguém. 
   Como uma leoa que rugi ferozmente tentanto proteger sua cria da ameaça mais comum e incrívelmente medíocre, libertei minha alma da dor que a molestava há tempos, incansavelmente, pragmaticamente, sempre se baseando na verdade absoluta que minha alma tentava abandonar, mas sem forças o suficente sucumbia-se, e novamente me fazia chorar.
   Resolvi permutar com a vida e com o mundo esse sentimento chulo de vergonha e culpa, e assim o fiz, o troquei pelo perdão e pelo poder de sentir-se limpa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Quem sou Eu ?

      Quem sou eu? Que tipo de pergunta é essa, que fazemos pra nos mesmos responder? Que tolice! Nos perguntamos algo que quando tivéssemos capacidade para responder, estaremos nos despedindo da vida e de todos vocês que ainda procuravam entender.
   
    - Consciência - Quem é você?
    - Impulso - Sophie Laurent.
    - Consciência - Você é só isso? Um nome! Você é só um substantivo? Mais nada?
    - Impulso - É que ...
    - Como você é?
    - Bom, eu sou branca, olhos castanhos, meus cabelos são ondulados, de um castanho quase dourado.
    - Você é só isso? Cores e formas? Mais nada?
    - É que, ...
    - Você ultrapassa tudo em que você normalmente iria se definir, nunca se prenda aos nomes que as pessoas te derem ou que te darão, nunca se prenda as suas caracteristicas físicas ou emocionais, afinal tudo muda.
     Quem nasce livre, só morre prisioneiro se quiser.